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Número 58

4 filmes estadunidenses de Fritz Lang. O Padrão Hollywoodiano / Guido Bilharinho

4 filmes estadunidenses de Fritz Lang. O Padrão Hollywoodiano

4 filmes estadunidenses de Fritz Lang. O Padrão Hollywoodiano / Guido Bilharinho

Fritz Lang (1890-1976, austríaco), após ter feito brilhante, mas, irregular carreira na Alemanha, onde realizara pelo menos três filmes marcantes com Os Nibelungos (Die Niebelungen, Parte I: Siegfried, 1923 – Parte II: A Vingança de Kriemhild, 1924), Metrópolis (Idem, 1926) e M, o Vampiro de Düsseldorf (M, Eine Stadt Suche Ein Mörder, 1931), vai para a França e, posteriormente, para os Estados Unidos, tangido pela ascensão do nazismo.

Nesse último país dirigiu, durante duas décadas, inúmeros filmes, numa atividade iniciada com Fúria (Fury, 1936) e Vive-se Uma Só Vez (You Only Live Once, 1937) e encerrada com Suplício de Uma Alma (Beyond a Reasonable Doubt, 1956), antecedido, este, de No Silêncio de Uma Cidade (While the City Sleeps, 1955).

O fato é que, pelo menos por eles, pode-se afirmar que Lang, ao atravessar o Atlântico, deixou muito de sua capacidade e inventividade para trás.

Nos Estados Unidos teve de se sujeitar às imposições do mercado e às injunções de produção, enquadrando-se totalmente na maneira ianque de fazer cinema.

Nada, nesses filmes, fornece uma ideia, mesmo que pálida e distante, do criador das citadas obras-primas alemãs. São películas que perfilam inteiramente os padrões hollywoodianos, deles não se afastando nem divergindo.

Um crítico, a propósito de Os Amantes de Maria (Maria’s Lovers, EE.UU., 1984), de Andrei Konchalovsky, afirmou, com razão, que seu diretor era um russo que entendera os Estados Unidos. Lang e inúmeros outros cineastas europeus que para lá emigraram e emigram (circunstância em princípio altamente positiva para o país, por lhes dar condições de trabalho), também entenderam os Estados Unidos, entre eles, Frank Capra (italiano), Fred Zinnemann, Otto Preminger e Billy Wilder (todos austríacos), Charles Chaplin e Alfred Hitchcock (britânicos), William Wyler (alsaciano), Elian Kazan (nascido na Turquia), Lewis Milestone (russo), Michel Curtiz (húngaro), etc. realizando filmografias essencialmente ianques. Uns com mais outros com menos qualidade, mas, todos, assimilando o jeito e a maneira hollywoodiana de ser e de fazer cinema.

Lang não se destacou artisticamente nos Estados Unidos, visto que os filmes comentados, provavelmente emblemáticos ou paradigmáticos de toda sua obra naquele país, não passam de películas convencionais destinadas a agradar aos espectadores.

Nada nelas, nem por um momento, discrepa dessa diretriz. Nem a narrativa, nem a estória, nem a linguagem, nem a montagem, o décor, a fotografia ou a direção e interpretação de atores. Todos esses elementos subordinam-se aos cânones ordinários (no duplo sentido) de produção.

As estórias pretendem enfocar problemas graves, como linchamento (Fúria), erro judiciário, desespero, violência (Vive-se Uma Só Vez), direção de empresa e manipulação do poder, atuação de serial-killers (No Silêncio de Uma Cidade), e pena de morte (Suplício de Uma Alma). Todas, efetivamente, questões sérias, mas, como em qualquer filme convencional, tratadas superficial e esquematicamente, sem enfocar seus efetivos fundamentos e sem demonstrar suas reais implicações e consequências. Simplesmente urdem-se estórias, tecendo-as apenas com os atos e circunstâncias que lhes outorguem interesse como espetáculo.

A narrativa, que se não confunde com o enredo, constituindo a maneira de contá-lo, subordina-se ao mesmo desiderato.

Os demais componentes fílmicos acima citados também correm (ou andam) pelo mesmo diapasão, nada os distinguindo do comum e do trivial.

A ironia e a contradição da História é que num país (a Alemanha) dilacerado pela Primeira Guerra, manietado pelos vingadores vencedores, mergulhado no caos social, na tibieza e desordem administrativa e numa das maiores inflações da História, Lang teve condições para realizar obras-primas cinematográficas, o que não aconteceu nos Estados Unidos.

Nos filmes comentados prevalece, de maneira totalizante e absoluta, a estória, porque ela é que constitui o produto ou a mercadoria que desperta interesse e pelo qual os consumidores procuram e pagam. Para atingir tal finalidade, esse produto deve ser formado pelos ingredientes e fórmulas adequados adredemente conhecidos, condicionados em invólucro (narrativa) atraente, de fácil apreensão e rápida compreensão. Ou seja, a negação de arte, da cultura e do saber.

(do livro O Drama no Cinema dos Estados Unidos. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2008).

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.