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Número 53

Fábio Lucas, um mestre aos 80 anos / Aricy Curvello

Fabio Lucas

Fábio Lucas, um mestre aos 80 anos / Aricy Curvello

O HOMEM

“…na época em que meus colegas alvejavam vidraças e passarinhos, eu já me encaminhava para os livros ¬ minha mais remota paixão e o objeto de quase todas as horas de que disponho…” ¬ (1) afirmava em seu discurso de posse na Academia Mineira de Letras, em 19 de outubro de 1961, para a qual fora eleito no ano anterior.

Assumia a cadeira 22, cujo patrono é Júlio Ribeiro, autor do polêmico romance “A Carne”, mineiro nascido em Sabará. Tomava posse, saudado pelo poeta Emílio Moura, sendo o mais jovem escritor a ingressar, aos 30 anos, na Casa de Alphonsus de Guimaraens. Já residindo em São Paulo, no ano de 1987 assumia a sua cadeira na Academia Paulista de Letras.

Não se trata de um homem comum, muito menos de um escritor comum.

O Professor Fábio Lucas Gomes nasceu na cidade de Esmeraldas (MG), aos 27 de Julho de 1931. Bem cedo transferiu-se para Belo Horizonte, que sempre foi e continua sendo um dos cenários mais permanentes de sua biografia. O homem e o escritor que estamos homenageando, ao completar os seus 80 anos de vida, é um dos principais membros da geração literária mineira que fundou, em Belo Horizonte, as revistas “Vocação” (1951) e “Tendência” (1956), em cujas equipes participaram, entre outros, o poeta Affonso Ávila e o romancista Rui Mourão. Data, portanto, da década de 50 do século passado, o começo do seu exercício da crítica literária, em revistas e jornais mineiros.

Sua ligação com Minas é mais profunda do que se julga, mais do que admitiu ele na abertura de seu livro “Mineiranças”:- “ Algumas vezes, ao falar bem ou mal de temas e autores estou a dizer de mim mesmo, em contínua interação com o meio de onde provenho. Aqui estão muitos atores, políticos, escritores, personagens, poemas, frases, exclamações que formam o pátio reservado chamado Minas…” (2)

Em obra em que estuda Guimarães Rosa, buscando analisar parte do principal da fortuna crítica do mineiro autor de Grande Sertão: Veredas, registrou que: “Por aí é que se nota que são múltiplos os caminhos do sertão, dos Gerais, de Minas e da mente. Por todos eles transitou a fala de Riobaldo”. (3) Por todos eles transitou a Crítica de Fábio Lucas. O que se torna mais claro, quando se atenta o quanto FL ressaltou o capítulo “Minas Gerais”, da antologia de Guimarães Rosa organizada por Paulo Rónai com o título Seleta de Guimarães Rosa. (4) Paulo Rónai recolheu de Ave, palavra (obra póstuma, 1970) esse capítulo, em que se procura descrever os vários aspectos do Estado, bem como “os contornos biológicos, psíquicos e fisionômicos dos habitantes. Daí falar ora dos acidentes geográficos, ora do mineiro na sua individualidade. Diz Guimarães Rosa a certo momento: ‘pois Minas é muitas. São, pelo menos, várias Minas”. (5)

Como se definiria “o mineiro”? Vejamos o que FL destacou do texto de GR: “Sua feição pensativa e parca, a seriedade e interiorização que a montanha induz ¬ compartimentadora, distanciadora, isolante, dificultosa. Seu gosto do dinheiro em abstrato. Sua desconfiança e cautela […] o permanente perigo, àquela gente vigiadíssima, que cedo teve de aprender a esconder-se. Sua honesta astúcia meandrosa, de regato serrano, de mestres da resistência passiva ( p.141)”. (6)

E mais adiante, ainda RG sobre o mineiro: “ Não tem audácias visíveis. Tem a memória longa. Ele escorrega para cima (p.143)”. (7)

CARREIRA UNIVERSITÁRIA

Fábio Lucas graduou-se em Direito pela Universidade Federal de M. Gerais, turma de 1953. Doutor em Direito Público (abril de 1963). Doutor em Economia e História das Ciências Econômicas pela Fafich/UFMG (novembro de 1963). Na mesma Universidade, foi professor de História da Renda e Repartição da Renda Social, na Faculdade de Ciências Econômicas, em que teve mestres como Emílio Moura e Francisco Iglésias como colegas. Sofreu perseguições durante os mais sombrios anos da ditadura militar (1964-1975), quando lhe retiraram a Cadeira em que lecionava, em 1969, e ele teve de partir para o exterior. A respeito desse fato há o registro em entrevista concedida ao editor Carlos Augusto Viana, do “Diário do Nordeste”:

“Viana – Por que o exílio?

F. Lucas – Em verdade, a gente nunca sabe. O que eu sei é que tirara uma licença-prêmio na UFMG, fizera uma reforma na minha casa e estava sem dinheiro. Então, usei esse tempo para dar um curso na Universidade de Brasília, ocasião em que, em 69, cassaram os meus direitos de magistério. Aí eu tive que me desfazer de meu patrimônio e, juntamente com a família, partir para o exterior, uma vez que não podia mais trabalhar no Brasil”. (8)

Professor, ensaísta, tradutor, crítico e teórico da literatura, lecionou em seis universidades norte-americanas, cinco universidades brasileiras e uma portuguesa. Dirigiu o Instituto Nacional do Livro em Brasília, bem como a Faculdade Paulistana de Ciências e Letras por dez anos.

Foi bolsista pelo Social Sciences Research Council, de Nova York, e pela Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa.

CARREIRA LITERÁRIA

Membro da Associação Brasileira de Crítica Literária, nosso homenageado é autor de mais de 50 obras de crítica e ciências sociais, entre as quais se destacam, entre outros : O caráter social da literatura brasileira (1970), Vanguarda, história e ideologia da literatura (1985), Do barroco ao moderno (1989), Mineiranças (1991), Fontes literárias portuguesas (1991), Luzes e trevas, Minas Gerais no séc. XVIII (1998), Murilo Mendes, poeta e prosador (2001), Literatura e comunicação na era da eletrônica (2001), Expressões da identidade brasileira (2002), O poeta e a mídia: Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo (2003) e Ficções de Guimarães Rosa: perspectivas (2011). Na ficção, produziu o romance A mais bela história do mundo (1996).

Considerado um dos mais importantes críticos e conferencistas internacionais de literatura brasileira. Quando da comemoração de seu aniversário, em 1997, em homenagem prestada pela grande imprensa de Minas Gerais, o escritor e jornalista Roberto Drummond definiu Fábio Lucas como o que há de melhor na Crítica no Brasil, ao lado de Antônio Cândido e de Wilson Martins.

PRÊMIOS E TÍTULOS HONORÍFICOS

• 1960: Prêmio Cidade de Belo Horizonte / Erudição.
• 1960: Prêmio Pandiá Calógeras/ Erudição.
• 1962: Personagem do ano no setor de Literatura, em inquérito realizado pelo semanário O Binômio entre jornalistas e intelectuais de Belo Horizonte, MG.
• 1966: Professor honorário de “The American for Foreign Trade” de Phoenix, Arizona, USA.
• 1970: Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em S. Paulo, setor de “Estudos Brasileiros”, concedido ao livro O Caráter Social da Literatura Brasileira.
• 1981: Personalidade cultural do ano, título concedido pelo Prêmio Fernando Chinaglia da União Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro.
• 1982: Prêmio Crítica, Os melhores do ano da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) pela obra Razão e Emoção Literária.
• 1983: Medalha da Inconfidência, pelo então Governador do Estado de Minas Gerais Tancredo Neves.
• 1991: Prêmio Juca Pato, como Intelectual do Ano, conferido pela União Brasileira de Escritores (UBE), juntamente com o jornal Folha de São Paulo.
• 2005: Prêmio FCV de Arte, Ciência e Cultura 2005, na categoria Literatura. O Prêmio é conferido pela Fundação Conrado Wessel, de S. Paulo, a intelectuais, artistas e cientistas que mais se destacam em suas respectivas áreas de trabalho, abrangendo sete categorias de premiação.

UBE –SÃO PAULO

Fábio Lucas foi presidente da UBE- União Brasileira de Escritores, de São Paulo, durante cinco mandatos:

1º) – De 1982 a 1984;
2º) – De 1984 a 1986;
3º) – De 1994 a 1996;
4º) – De 1996 a 1998;
5º) – De 1998 a 2000.

A UBE-SP conta com mais de três mil associados, sendo uma das maiores organizações de escritores da América Latina.

ESTUDIOSOS E FUTUROS BIÓGRAFOS

Diante de uma obra literária tão vasta e importante, bem como de uma existência que, felizmente para nós, vai se tornando longa, julgamos que os estudiosos da obra e os futuros biógrafos do Professor Fábio Lucas terão de se defrontar com um imenso trabalho.

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NOTAS:

1.- O livro : minha mais remota paixão. In Revista da Academia Mineira de Letras, Belo Horizonte, vol. 46, out./nov./dez. 2007, pp. 97-109.

2.- Belo Horizonte : Oficina do Livro, 1991, p. 9.

3.- Ficções de Guimarães Rosa : perspectivas. Barueri (SP): Amarilys, 2011, p. 31.

4.- Seleta de Guimarães Rosa. Coleção Brasil Moço, vol. 10. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973.

5.- Guimarães Rosa : perspectivas, p. 34.

6.- Idem, p. 34.

7.- Ib., p. 35.

8.- A criação literária e o papel da Crítica – uma conversa de Fábio Lucas com o poeta Carlos Augusto Viana, in Diário do Nordeste, Fortaleza (CE), 19 jul. 1999.

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Aricy Curvello é poeta, ensaísta e tradutor.